Professor, na frase “O marido, durante a quarentena, deixou a mulher maluca”, devo entender que a blogueira quis dizer que a mulher foi abandonada ou, de certa forma, violentada intelectualmente pelo marido? Eu que não sei ler ou ela que escreve mal?
Nossa língua, como todas as outras, não é perfeita! Nem sempre é lógica e precisa em todas as suas leituras. Existe realmente uma ambiguidade na frase, e ela começa nos sentidos possíveis para o verbo “deixar”.
Lido com o sentido de “abandonar”, entende-se que o marido “abandonou” uma mulher que já era considerada, normalmente, “maluca”. Ou seja, ela, que já se sabia “meio maluca”, ou “maluca mesmo”, foi abandonada pelo marido, que “fugiu de casa” em plena quarentena.
No entanto, se o verbo “deixar” for lido com o sentido de “tornar”, “fazer ficar”, entende-se que, o marido fez com que ela ficasse “maluca”. Isto é, durante a quarentena, “ele aprontou tantas que a coitada acabou enlouquecendo”.
Isso ocorre, porque, na escrita, com as palavras nessa ordem, não é possível distinguir a função do adjetivo “maluca”. É adjunto adnominal ou predicativo do objeto?
Se fosse na fala, a diferença existiria pela presença ou não de uma sutil pausa entre “mulher” e “maluca”. Sem tal pausa, seria adjunto adnominal; com ela, teríamos o predicativo do objeto. Difícil de perceber...
Outra possibilidade, mais nítida, seria a mudança da ordem das palavras:
a) “O marido, durante a quarentena, deixou a maluca mulher.”
Veja que, nesse caso, mesmo sendo uma fala um pouco estranha, fica evidente que o adjetivo “maluca” se refere a uma condição inerente, permanente, da mulher, que, com certeza, foi abandonada pelo marido.
b) “O marido, durante a quarentena, deixou maluca a mulher.”
Agora, muda tudo. Percebe-se que atos praticados pelo marido, durante a quarentena, fizeram a mulher enlouquecer. Ela não era maluca, ficou maluca. Ele não a abandonou, mas talvez fosse melhor se o fizesse, pois, assim, ela não enlouqueceria.
Ainda há mais uma forma de se estabelecer tal diferença, bem mais fácil e nítida, que, na hora de registrar a notícia, poderia ter sido utilizada pela blogueira não deixando dúvidas na leitura:
c) “Durante a quarentena, a mulher maluca foi deixada (= abandonada) pelo marido.”
Escrita dessa forma, ninguém teria problema na leitura. Ficaria claro que “ele a deixara, a abandonara mesmo”.
d) “Durante a quarentena, a mulher foi deixada (= tornada) maluca pelo marido.”
Assim, outra maneira de ler seria entendida: “ele fez a mulher enlouquecer”.
Escrever bem passa pelos conhecimentos de análise sintática. E é uma das questões difíceis, um dos fantasmas da Análise sintática. Até o próximo!