A produção textual e o raciocínio linguístico 2

A produção textual e o raciocínio linguístico 2

            “Polícia indicia estudante picado por naja, mãe, pai e 9 outras pessoas,”

Essa frase estava reproduzida nas redes sociais acompanhada de críticas fortes ao órgão de imprensa que a publicara. Qual é o seu defeito, afinal?

É uma falha de construção chamada ambiguidade, que é muito cruel com quem escreve, pois, como ele tem a ideia já em sua mente, antes mesmo de escrevê-la, não percebe a outra leitura possível.

E aí, lá vem “pancada”: “quanta gente picou o pobre rapaz!”, “até a mãe e o pai o picaram”...

Bastaria ordenar melhor o texto e enriquecê-lo um pouco:

“Polícia indicia, além da mãe, do pai e 9 outras pessoas, o estudante picado pela naja.”


A produção textual e o raciocínio linguístico 1

“Eu considero que considerar tal participação no grupo criminoso é um pouco de exagero de imaginação.”

A frase acima foi ouvida no outro dia na televisão. E, como a estratégia de produção textual vale para textos falados e escritos, conhecer certos procedimentos levaria a evitar o grave erro cometido (repetição do verbo).

A primeira regra do bem-escrever é, se o autor do texto pretende emitir uma opinião, tem de evitar a primeira pessoa, pois ela já está implícita: seria “chover no molhado” ou, falando linguisticamente, uma redundância.

A entrevistada deveria falar apenas:

“Considero tal participação no grupo criminoso um pouco de exagero de imaginação.”


Fantasmas da Análise sintática 25) O certo é "para mim" ou "para eu"?

Mestre, qual das duas está correta? “É importante, para mim, receber o apoio de vocês.” Ou É importante, para eu receber o apoio de vocês, tal mensagem.”

As duas estão corretas. São estruturas sintáticas bem diferentes. Basta olhar a pontuação para entendê-las melhor!

Na primeira, o termo “para mim” é um complemento nominal. Nessa estrutura, em ordem inversa, teríamos:

- “Receber o apoio de vocês é importante para mim”, onde a oração com verbo no infinitivo (“Receber o apoio de vocês”) é um sujeito (oracional), “é” é verbo de ligação, “importante” é o predicativo, e “para mim”, finalmente, é o complemento nominal do adjetivo. O uso das vírgulas, na frase original, se deve à necessidade de clareza. Na reescritura, poderia haver uma vírgula antes do “para mim”.

Na segunda frase, deve-se, também, analisar a estrutura:

Novamente há uma inversão: “Tal mensagem é importante para eu receber o apoio de vocês”. Aqui, “tal mensagem” é o sujeito; “é importante” (verbo + predicativo) é um predicado nominal; e a oração “para eu receber o apoio de vocês” indica a finalidade (oração subordinada adverbial final). Na frase da pergunta, as vírgulas são necessárias, pois a oração de valor circunstancial está interposta. Nessa em que existe a ordem direta, a vírgula, depois de “importante”, é facultativa.

Veja como as duas preposições “para” servem para mecanismos diferentes:

- na primeira, apenas introduz um termo, o complemento nominal;

- na segunda, introduz uma oração reduzida (para = a fim de).

Largadas assim e, principalmente, sem pontuação, elas funcionam muito bem como armadilha de concursos em que se cobra o uso do “eu” e do “mim”.


Fantasmas da Análise Sintática 24) Existe lista de verbos de ligação?

Fantasmas da Análise sintática 24) Lista de verbos de ligação?

Professor, existe “lista” de verbos de ligação? Lembro-me de um professor que nos fazia decorar uma lista com os verbos “ser”, “estar”, “ficar”, “parecer” e “permanecer”. É verdade isso?

Essa “lista” é uma forma errada de fazer as crianças aprenderem alguma coisa. O que ocorre é que, na maioria das vezes em que se usam, esses verbos aparecem como de ligação, isto é, deixam de indicar ações e apenas indicam estado. Então, passam a ser verbos de ligação. Veja os exemplos.

a)    A jovem é triste.

b)    A cidade está calma.

c)    O país ficou em paz.

d)    O povo parece preocupado

e)    Os tempos permanecem em tensão.

Em todos os exemplos, há somente o estado, representado pelos adjetivos e pelas locuções adjetivas, que poderiam ser substituídas por adjetivos: “pacífico” ou “pacificado” e “tenso”.

No entanto, todos eles também podem ser usados como verbos nocionais, ou de ação. Observe estas frases:

f)     A festa do tri foi em 1970.

g)    A mulher está em casa.

h)    O povo ficou na praça.

i)      Parece que nada foi feito.

j)      As reformas permanecem em bolsos de políticos traiçoeiros.

Repare que, agora, todos apresentam ações, seguidas, respectivamente, de adjunto adverbial de tempo, adjunto adverbial de lugar (três vezes) e uma oração subjetiva,

Então, não decore! Verbos existem que não estão na tal lista e podem se tornar de ligação. Os dois mais comuns são “andar” e “continuar”.

k)     A garotinha anda rápido pela calçada.

l)     Os tempos andam complicados.

m)   O time continua em campo

n)    O operário continua o seu trabalho.

o)    A matéria continua surpreendente.

Nos itens “k”, “m” e “n”, são verbos de ação, respectivamente, intransitivo (com dois adjuntos adverbiais, de tempo ou modo e de lugar), intransitivo (com adjunto adverbial de lugar) e transitivo direto (com seu objeto direto). Somente em “l” e em “o” temos verbos de ligação, pois só eles indicam estado.


Fantasmas da Análise sintática 23) Adjetivos só podem ser predicativos?

Professor, li, em um manual de língua portuguesa, que adjetivos são predicativos. Sempre?

A resposta é não. Adjetivos podem ser predicativos e adjuntos adnominais. Há uma diferença sintática e outra semântica. Tudo poderia se resumir na colocação do adjetivo em relação ao substantivo. Veja só:

a)     A cidade despertou assustada.

b)    A cidade assustada despertou.

c)     Os professores consideram ótima a explicação.

d)    Os professores consideram a ótima explicação.

No exemplo “a”, “assustada” é predicativo do sujeito, pois vem separado do sujeito a que se refere pelo verbo de ligação. Em “b”, o adjetivo faz parte de um agrupamento sintático, o sujeito “A cidade assustada”; sendo, portanto, adjunto adnominal. Perceba que essa diferença também é nítida em “c”: “ótima” não faz parte do agrupamento sintático objeto direto, “a explicação”; é, assim, predicativo do objeto direto. Finalmente, na frase “d”, o objeto direto é “a ótima explicação”, sendo “ótima” um adjunto adnominal.

Há, ainda, uma diferença semântica, que é possível perceber: nos exemplos “a” e “c”, veem-se condições atribuídas ao sujeito e ao objeto: “assustada” não é uma condição inerente à “cidade”, pois ela ficou assim ao “despertar”; e “ótima” não é inerente à “explicação”, já que ela apenas foi considerada dessa forma. Isso marca o predicativo.

Nos exemplos “b” e “d”, “assustada” é qualidade inerente à “cidade”. Ela é “assustada”; e “ótima” é qualidade inerente à “explicação”, chegando a alterar o sentido do verbo, que não mais significa “julgar”, “imaginar”, mas, sim, “validar”, “levar em consideração”. Tal fato revela o adjunto adnominal.

O problema maior ocorre quando o adjetivo vem logo depois do substantivo, junto dele, e só é possível perceber a distinção por um pequeno detalhe, a existência de uma pequena pausa.

e)    O tribunal julgou o réu inocente.

f)     O tribunal julgou o réu inocente.

Na língua escrita, não é possível notar a diferença, mas, na fala, na frase “e”, há uma pequena pausa entre “o réu” e “inocente”, separando “inocente” de “o réu”. Isso ficaria mais claro em qualquer das duas situações seguintes: a simples inversão e a formação de voz passiva.

g)    O tribunal julgou inocente o réu.

h)    O réu foi julgado inocente pelo tribunal.

Veja que “inocente”, nas duas situações, desprendeu-se do “réu”; por isso é predicativo do objeto.

Em “f”, em que não há pausa, considerando outras construções, repare que “inocente” não se separaria de “réu”:

i)      O tribunal julgou o inocente réu.

j)      O réu inocente foi julgado pelo tribunal.

Assim, são exemplos de adjuntos adnominais.

Sutilezas e fragilidades de uma língua quase perfeita!